Paris: Cordon Bleu

Estava atrasada com o “querido diário” thing, e fui forçada a continuar. Sabe porque? Comi demais hoje, saí no sol, andei loucamente e voltei para casa passando mal. Como diria a @fernandvalles, pelo menos não foi na Pavuna. Então vou aproveitar para colocar em dia os posts que faltam. Por enquanto só a Cordon Bleu, com o curso de “French Regional Cuisine” que eu fiz ontem à noite. E pega uma  cadeira, porque essa vai ser longa!

Cordon Bleu Paris

Foi o meu primeiro dia de aprendiz de cozinheira de verdade, e justamente na escola mais famosa de todas aqui em Paris, aquela onde Julia Child aprendeu a cozinhar e depois virou o filme com a Merryl Streep, e aquela retratada no filme “Sabrina”, protagonizado por Audrey Hepburn. Hoje, no entanto, a escola está bem mais moderninha, claro, e se adaptou aos tempos aceitando turistas leigos também, para cursos curtinhos, de duas ou três horas.

Na confirmação de matrícula (que eu fiz aí do Brasil mesmo, semanas antes de vir), vem escrito que “o aluno deve acompanhar o ritmo da turma”, mas até aí tudo bem, né? Afinal, eles recebem velhinhos de passeio, pessoas que nem falam inglês tão bem assim, turistas que só estão procurando diversão, e tal. E eu não ia ser a pior de todas.

Mas isso também não ia melhorar em nada a minha situação, como vocês vão ver.

Cheguei lá bem cedo e recebi logo o meu kit: uma pasta com a receita, uma caneta, uma toalha e um avental. Adoro brindes. Fiquei louca com os brindes e pensei até em não sujá-los muito antes de levar para o Brasil. O primeiro casal a chegar eram dois velhinhos americanos, o que melhorou bastante a minha auto estima e eu fui ver os livros em exposição.

A maioria é em japonês, chinês, espanhol, e poucos em inglês ou francês, mas o meu olho bateu na hora em um que eu estava querendo comprar há algum tempo: “The Sharper the Knife, The Less You Cry – Love, Laughter, and Tears at the World’s Most Famous Cooking School”, de Kathleen Flinn. A capa é linda e o título me chamou na hora (algo como “quanto mais afiada a sua faca, menos você chora”). Pedi para separarem logo para mim, que na volta eu ia comprar.

Todos colocaram seus aventais e eu segui todo mundo. Ficou engraçadíssimo, parecia um monte de gente fugida de um hospital. Subimos dois andares com o chef e a chef tradutora e cada um escolheu um lugar na cozinha. Fui empurrada constantemente até sobrar só o último e pior lugar para ver! Fui lá para a ponta.

A primeira tarefa foi tirar a pele do peixe de forma correta, o que incluía segurar o peixe com a minha linda toalhinha nova enquanto cortava o peixe fora da pele, virada para o tampo da mesa. Estava indo tudo maravilhosamente bem, apesar de eu nunca ter mexido em um peixe assim (geralmente, quando ele chega nas minhas mãos, já estão tão limpínhos que nem têm cara de peixe).

Era uma obra prima. Metade da pele já tinha ido, sem nenhum desperdício e sem sobrar nem um pouquinho no meu filé. Julia ficaria orgulhosa. Até que eu cheguei exatamente na metade e ouço o chef: “Que bom que vocês já terminaram. Assistentes! Distribuam o outro filé! Esse vocês podem fazer mais rápido, já que já aprenderam!”. Oi? Não!

Eu estava na metade quando o segundo estava caindo na minha frente. Cortei o resto do primeiro igual uma louca, para começar o segundo, até que tudo desandou e sobrou um terço de pele que não saía de jeito nenhum – claro que a minha mão tremendo com aquela faca enorme não ajudou nem um pouco, eu já podia imaginar cenas sangrentas estilo Tarantino.

Virei para um dos assistentes (que eu tenho certeza que era brasileiro) com cara de desespero e ele tirou o resto para mim bem devagar, o que me salvou do primeiro peixe e me atrapalhou no segundo. Cortei o segundo quase que no meio, desperdiçando grande parte do peixe e terminando aos 48 do segundo tempo (mesmo).

Pronto… Péssimo jeito de começar. Já estava nervosa e suando.

Aí foi a hora das ervas. Tínhamos que tirar todas as folhinhas de todas as ervas que colocavam na nossa frente (mais da metade ali a gente usaria no Brasil com talinhos mesmo, mas ele não queria os talos, apesar de tudo ir para o processador depois). Gato escaldado, tirei as folhinhas como se fosse a última coisa da minha vida, tenho certeza que todas as outras ervas da mesa morreram de medo de mim. E dessa vez fui uma das primeiras a terminar. Ok, tava na hora de aprender a dosar a rapidez.

Cordon Bleu Paris

Depois vieram os alhos-porós… Ahhhh, os poireaus… Escolhi quatro bem grandões, porque achei que isso podia me ajudar em alguma coisa. Se fosse hoje, eu cortaria os menores no meio e jogaria o resto fora sem ninguém ver, só para terminar mais rápido. Depois de limpar e cortar do jeito que ele queria, foi a vez de fatiá-los à la julienne, ou seja, em fatias bem fininhas. Uma ou duas camadas por vez, o que me fez ver que os meus poireaus tinham um bilhão de camadas!

Eles não acabavam nunca, e eu via que estava ficando para trás. Ignorei todas as outras frases e me concentrei na faca como se matasse meu maior inimigo. Parei de pensar! Era eu ou eles! Foi uma loucura, eu não sentia mais as minhas mãos, a minha pilha de alho-poró já estava maior que a dos meus vizinhos (que foram espertos e escolheram os menores) e eles não davam a menor previsão de que fossem acabar!

Foi quando eu percebi o real sentido do nome do livro que eu queria tanto! “The sharper your knife, the less you cry”!  Quero ver alguém ter tempo de chorar com um balde de alho-poró na frente! Teria sido essa a minha primeira reação se eu não precisasse tão desesperadamente cortá-los à julienne em menos de cinco minutos!

Dessa vez, terminei aos 45 do segundo tempo. Não fiz vergonha, mas também não sentia mais os dedos da mão direita.

A etapa seguinte eu me formei com perfeição. Ainda não entendo a dificuldade que algumas pessoas têm com o descascador de alimentos, mas elas simplesmente não entendiam como aquela faquinha estranha deveria funcionar. Mesmo lá em casa, todo mundo descasca vegetais com a faca e eu tenho um descascador de estimação e eu mato quem jogar fora. Descasquei minhas cenouras em alguns segundos. A menina chata que estava do meu lado (e que já tinha me respondido com um “It’s in the recipe”, quando eu perguntei o que ele tinha dito, depois da minha abstinência verbal de poireaus) pediu para eu descascar as dela, e eu fui a forra dizendo “seriously?” e esperando felizmente a próxima tarefa.

O resto foi mais tranquilo, com um ou outro “o que foi que ele disse?”, já que estávamos na ponta da mesa e não conseguíamos ver nada. O casal da minha frente falou várias vezes baixinho um para o outro “é muita pressão! eu nunca trabalhei com tanta pressão assim!”, e eu vi que não estava sozinha. Lembrei de olhar para o casal de velhinhos americanos, que haviam ganhado a aula da filha, e fiquei com pena. Ela, na verdade, estava se divertindo. Mas ele tinha duas mãos esquerdas que nem eu e uma cara de desolado. Aposto como a filha vai receber meias neste Natal.

No fim, deu tudo certo. A comida ficou ótima, com um ou outro ajuste a fazer da próxima vez, e nós levamos as quentinhas para casa, junto com o nosso diploma. Na saída, comi um macaron maravilhoso feito pelos alunos de outra aula (mais profissa, e não turística) de framboesa com framboesas dentro de um creme imenso.

É muito masoquista da minha parte dizer que eu quero voltar para fazer um curso maior? Eu realmente preciso vencer aqueles poireaus! A prova do crime, para vocês não acharem que eu estou mentindo, está aí (não reparem na cara de exaustão):

Cordon Bleu

Quem quiser fazer a mesma aventura, visite o site da Cordon Bleu, já tem programação para ano inteiro e eu tenho certeza que outras aulas devem ser mais tranquilas, inclusive de duas horas, em vez dessa aí, de três. Além disso tem também demonstrações e degustações, sem a parte prática.

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10 comments / Add your comment below

  1. Cenas sangrentas de Trantino com faca? Hum… isso me soa familiar! Eu ia tirar de letra isso aí!

    Estou adorando seus posts! Mas faltou a foto do peixe. Só certificado não vale…
    bjs

  2. Não foi na Pavuna, mas bacana essa experiência com facas (pode ser útil um dia rs)

  3. Adorei a saga! Socorro, que pressão, gente! Tô adorando ler tudo, você é genial, escrevendo tenho certeza, cozinhando ainda não provei… Chérie, uma pequena mudança: poireau. Alho-poró em francês! Beijocas, keep writing!

  4. Parabéns Carol, fiquei orgulhosa da filhinha. E você nem chorou! Aguardo ansiosamente o resultado prático na minha cozinha e principalmente no meu paladar. Saudades.

  5. Hahahahahahahaha!
    Cara de cansada onde? Nem reparei!

    Que legal sua aventura, Carol. Você vai fazer algum curso de sobremesas?? Huuuum, nesses eu queria ir (de preferência só pra degustação).

    Beijos!

  6. Partes que mais adorei e ri muito:

    “Gato escaldado, tirei as folhinhas como se fosse a última coisa da minha vida, tenho certeza que todas as outras ervas da mesa morreram de medo de mim. E dessa vez fui uma das primeiras a terminar”

    “Descasquei minhas cenouras em alguns segundos. A menina chata que estava do meu lado (e que já tinha me respondido com um “It’s in the recipe”, quando eu perguntei o que ele tinha dito, depois da minha abstinência verbal de poireaus) pediu para eu descascar as dela, e eu fui a forra dizendo “seriously?” e esperando felizmente a próxima tarefa.”

    Bom.. no segundo caso eu falaria: “I can’t ’cause it’s not in the recipe! One should do it by himself!” kk

  7. Carol, vim aqui conferir como foi sua experiência na Le Cordon Bleu em Paris, fiquei TENSA! Hahahaha Já vou lembrar de escolher os menores poireaus, fato!
    Obrigada por seu recadinho lá no blog, a gente vai se falando durante minha estadia lá 😉

    Beijos!

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