Na estante: ‘Garlic and Sapphires’

Poucas pessoas sabem descrever um prato de comida. Digo descrever a sensação de um prato fenomenal de comida, daqueles que conseguem silenciar toda a mesa. Não descrever o que está sobre o prato, mas o que é o prato e como e te faz sentir. De todas as pessoas, duvido que alguma faça esse trabalho muito melhor do que Ruth Reichl. E isso não é um demérito a nenhum Anthony Bourdain, que tem dois livro maravilhosos, Ruth é simplesmente uma gênia da não-ficção gastronômica, e não há razão para tentar competir com isso. “Garlic and Sapphires: The Secret Life of a Critic in Disguise” é a oportunidade perfeita de ver Ruth em ação, com mil pratos e… disfarces!

Ruth Reichl era editora de gastronomia do Los Angeles Times quando foi convidada para ser crítica de restaurantes do New York Times. Ela juntou toda a bagagem gastronômica com uma quantidade enorme de medo de trabalhar no maior jornal do mundo e voou para a costa leste com o marido e o filho. O desafio não era pequeno: a época era de recessão, o que significam vacas magras nos restaurantes de luxo, a cidade era simplesmente a mais competitiva dos Estados Unidos e o jornal era o que mais ditava as regras da cidade. A cabeça de Reichl valia ouro e já no avião de ida ela descobriu que a biografia dela estava colada na cozinha da maioria dos grandes restaurantes nova-iorquinos. Todos os chefs queriam ser avisados imediatamente se aquela que ditava o sucesso ou o fracasso do estabelecimento cruzasse a porta.

Se a sua visão do crítico de restaurante é a de Anton Egò, o sisudo gourmet de Ratatouille, pense duas vezes. Ruth Reichl tinha a experiência do cliente em primeiro lugar, então de nada adiantava ter uma noite fantástica em um restaurante se os leitores que desembolsassem a mesma centena de dólares não tivessem a mesma experiência. Ela não poderia ser reconhecida.

Ruth Reichl virou uma Mrs. Doubtfire da vida real! Encontrou uma loja de perucas, alguns brechós, muita, muita maquiagem e inventou uma dezena de personagens diferentes. Idosas, jovens, loucas, mal humoradas, escandalosas – completas desconhecidas que visitaram os principais points de Nova York. (Quase) sempre incógnita.

A história é deliciosa, com o perdão do trocadilho. Ela descreve pratos, ocasiões, diálogos, transformações e, claro, uma pitada de drama real, que é onde entra a “não-ficção” da história. Cada capítulo leva o nome de um dos alter egos de Ruth e termina com a crítica que foi publicada no Times da época. Alguns ainda carregam receitas de pratos que foram mencionados durante a história. (A cheesecake eu não resisti e já fiz!)

O livro foi escrito em 2005, mas não é o único. Já estão na minha wishlistTender at the Bone: Growing Up at the Table” (1998) e “For You Mom, Finally” (2010). Depois de sair do Times, Ruth foi editor-chefe da revista Gourmet e hoje trabalha como co-produtora de um programa da PBS, além de alegrar os foodies com um blog. No Brasil, só encontrei em português “Banquetes intermináveis”,  um compêndio das melhores histórias da Gourmet.

Fiquei órfã de livro quando “Garlic…” acabou e não consigo pensar em nenhum amante da boa comida e da literatura que não vá ficar totalmente absorto nos relatos de Ruth Reichl.

 

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