Se você segue o blog, sabe que eu entrei no mundo da cervejaria caseira e hoje produzo, com meu pai, meus próprios rótulos, sob o nome Garten Bier. A cerveja artesanal, que eu chamo “de verdade”, entrou nas nossas vidas desde então e eu parei de beber essas coisas que vendem em latinhas aos montes nas ruas. Não é frescura, é sério: a sua vida etílica muda quando você descobre a cerveja caseira.
Que o Canadá, assim como os Estados Unidos, era um daqueles lugares perfeitos para me aprofundar nesse universo, eu já sabia. Mas tive uma grata surpresa durante essa minha última viagem ao conhecer bares que realmente colocam a alma na boa bebida, sem falar dos festivais.
O Canadá não incentiva o consumo de bebidas alcoólicas. Tanto, que elas são incrivelmente taxadas (se bem que tudo, no país, é muito taxado) – não podem ser vendidas a qualquer preço e não são encontradas em qualquer lugar. A cerveja artesanal, no entanto, vende no supermercado, numa escala infinitamente maior do que a encontramos aqui no Brasil e com mais facilidade do que um destilado, por exemplo.
Prepare o seu gosto pela leitura, porque o post de hoje ficou “um pouquinho” grande. E vamos ao meu roteiro de viagem etílica!
Les 3 Brasseurs
Para entender como a cervejaria caseira é importante para o país, nenhum bar é exemplo melhor que esse. The 3 Brewers, em inglês, é uma rede de “resto-pub” – restaurante e pub – que fabrica a própria cerveja dentro do bar e está espalhada por diversas cidades. Quase um McDonalds do lúpulo – ou um Tim Hortons, que é o McDonalds deles.
Tive muita dificuldade em entender como alguém produzia cerveja dentro de um bar, já que eu tenho uma cobertura inteira toda suja e, quando dá, a gente suja a casa também. Fazer cerveja dá um trabalhão, gente, tem cheiro de lúpulo, de pão, de fermento, gruda no chão, ferve e derrama, mas esses bares parecem estar produzindo água, de tão limpinhos. Os galões, no entanto, estão lá para provar.
A cerveja dos “Três cervejeiros” é bem saborosa. Provei a White (de trigo, sempre meu estilo preferido) e a Amber, esta da foto ao lado. O menu imita um jornal e está disponível online, para quem tiver curiosidade.
Dieu du Ciel
Aos poucos, você percebe que as opções de bares que produzem suas próprias cervejas são tão grandes, que não vale a pena ficar somente nos 3 Brasseurs, é preciso explorar. Temos amigos que moram em Montreal e gostam de cerveja tanto quanto a gente, por isso, essa tarefa não foi nem um pouco difícil!
A Dieu Du Ciel é concorridíssima. Conseguir sentar em uma mesa na varanda é quase impossível sem uma fila de espera básica, principalmente com uma temperatura tão alta quanto a que pegamos – canadenses são traumatizados com o frio do resto do ano, e por isso aproveitam qualquer segundo possível ao sol. Descolamos uma mesa dentro do bar mesmo, bem em frente ao mural de opções do dia, que mudam de acordo com as últimas cervejas produzidas. Foi um banquete. Aconselho a entrar no site dos caras e conferir a quantidade de rótulos que podem (ou não) estar no cardápio do dia! Impossível cansar do lugar com uma carta “itinerante” dessas!
Comecei com uma Route des Épices (foto ao lado), uma red ale com pimenta. O sabor do estilo combinou perfeitamente com a pimenta, que não era tão forte, mas que tinha muita presença. Descobri depois que podia ter pedido copos menores e provado mais opções, por isso, sempre pergunte se tem half pint!
Em seguida, como não podia faltar, uma Blanche du Paradis, de trigo, igualmente gostosa, para dar uma quebrada naquele monte de pimenta.
Mas a surpresa da tarde foi a terceira: Sieben Hugel, descrita como “lager fumée”, que é o francês para “defumado”. Imaginei um malte mais torrado e mandei ver. Quando voltei para a mesa, todos já haviam provado a minha escolha e riam de mim. O motivo: o defumado era… bacon! A cerveja tinha um leve gosto de bacon, como 50% das comidas locais. A surpresa maior ainda (minha, pelo menos) é que era muito, muito, muito gostosa! Pediria de novo, mas com comida, porque ela definitivamente abre o apetite!
29 Laurier West
Montréal, Québec
Canada H2T 2N2
Bières et Saveurs
Entre os dias 30 de agosto e 2 de setembro, foi realizado o festival “Bières et Saveurs”, em Chambly, uma cidade próxima a Montreal. Não tivemos dúvidas: alugamos um carro e fomos. A entrada custou 12$CAD e o espaço tinha uma lista enorme de cervejarias expositoras e lojas. Foi lá que encontrei um destilado de maple que estava à procura, mas essa história eu conto mais tarde.
Os estandes se espalharam ao redor de três palcos, onde se revezavam bandas de rock, country e folk. Choveu, mas quase ninguém percebeu. Além das cervejas, claro, provamos comidas deliciosas e inusitadas:
Sanduíche de bisão e Poutine de bisão com molho de Maudite e chipotle (foto) – Poutine é o prato típico do Québec. É uma batata frita com casca coberta por um molho de carne e queijo. As variações são muitas, dependendo do restaurante. Bisão foi a coisa mais deliciosa que eu provavelmente comi a viagem inteira. Maudite é uma das cervejas mais famosas do tópico que vou falar a seguir. Chipotle… É a pimenta mesmo. Esse prato estava magnificamente apimentado, uma delícia!
Hambúrguer de canguru – Isso mesmo. É estranho para os brasileiros, mas totalmente “arroz com feijão” para os australianos. Não foi o meu preferido. É uma carne forte e não muito macia, mas valeu a experiência.
Deixei para experimentar nesse festival de Chambly a cerveja que é a prata da casa: A Unibroue.
Unibroue (ou Unibrew)
A Unibroue, como eu disse, é uma cervejaria de Chambly. A mais famosa delas. Se você perguntar para aficionados em cerveja artesanal, mesmo no Brasil, muitos vão conhecer os principais rótulos: Fin du Monde e Maudite. Nesse estande, a cerveja servida em pequena quantidade e em copo de plástico custava 6$CAD. A mesma cerveja enchendo um copo com os brasões do seu estilo preferido custava 8$CAD. Basta dizer que tive todo o trabalho para embrulhar dois copos lindos na minha mala de despachar – chegaram intactos.
A Unibroue é uma marca da Sleeman Brewerie, que, por sua vez, foi comprada pela japonesa Sapporo em 2006. Não se encontra aqui pelo Rio (não sei se é possível encontrar em SP), por isso trouxe uma garrafa da Fin du Monde para apresentar ao meu pai, cervejeiro também. Divina!
Provei a Fin du Monde, a Blanche de Chambly, a Blonde de Chambly e a Maudite, que alguém pediu e eu aproveitei. Todas incríveis. Espero muito que o Mondial de La Bière, festival de Montreal que este ano acontece no Rio de Janeiro, traga a Unibroue para a gente!
Benelux
Outra cervejaria-pub é a Benelux, que também estava no festival de Chambly, mas eu só fui provar in loco. O bar é bem novo e fica em um antigo banco. Hoje, o banco funciona no andar de cima e a cervejaria, no térreo, ainda conserva algumas portas de cofres, que hoje guardam um bem quase tão precioso quanto: os tonéis!
Não caímos mais na besteira do copo grande. Pelo menos não de cara. Pedimos logo duas réguas com dez rótulos diferentes ao todo, que, em geral, levam nomes de pessoas. As minhas preferidas foram Prince, Regina e Gertrude, respectivamente uma saison, uma de trigo, e uma pilsner. Gostei tanto que pedi uma pint de Prince, mais tarde.
245 Sherbrooke Ouest
Montréal, Québec
Canada H2X 1X7
Quer mais?
Os canadenses, como os norte americanos, estão nessa onda de homebrewing há muito mais tempo que a gente, por isso, você vai encontrar inúmeras curiosidades em um passeio ao mercado, por exemplo.
No mercado de Jean Talon, em Montreal, parada imperdível para quem gosta de comida, encontramos um representante da Fentimans e não pude deixar de provar a cerveja com gengibre! Não parece com uma cerveja, na verdade, mas com um destilado bem forte, mas o gosto inconfundível do gengibre está lá, e é bem interessante. Pelo site, parece que é feito a partir de extratos, e não de grãos, como nós fazemos por aqui. A técnica é mais difundida lá pelo norte.
Ainda tem muito Canadá pela frente ainda no blog, fiquem tranquilos, estou preparando tudo aos poucos. Mas a moral da história de hoje é: uma vez no hemisfério norte, por favor, fuja dos “enlatados” e procure as “cervejas de verdade”, você vai se surpreender!